Face à recentemente instalada Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia, Obstetrícia e Bloco de Partos (doravante Comissão), vem o Observatório de Violência Obstétrica em Portugal (OVO PT) apresentar o seu voto de desconfiança relativamente à sua composição, ao seu objecto e à sua isenção técnico-científica, porquanto:
1. A Comissão é composta exclusivamente por médicos obstetras, o que faz pressupor que os temas de saúde relativos à gravidez e ao parto são um assunto exclusivamente do domínio médico. Apesar de, em Portugal, se praticar o modelo biomédico e tecnocrático, o médico obstetra não é nem deve ser o único profissional de saúde que participa na vigilância da gravidez e na assistência ao parto e ao pós-parto. Defende o OVO PT que os Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica desempenham um papel fundamental na prestação de cuidados na gravidez, no parto e no pós-parto, não se encontrando, infelizmente, representados nesta Comissão.
2. Uma Comissão cujo propósito é o de colmatar os problemas criados pelo modelo biomédico em Portugal, que motivam o recurso excessivo aos serviços de urgência dos hospitais, e fazer cumprir os interesses da população, terá de ser, obrigatoriamente, um grupo de trabalho heterogéneo, composto pelos vários intervenientes no acompanhamento da gravidez e do parto, pelas ordens profissionais e por representantes da população, tais como associações de defesa dos direitos na gravidez e no parto, movimentos cívicos pelos direitos das mulheres e organizações não governamentais, sem excluir outras.
3. A especialidade médica de ginecologia e obstetrícia não dispõe da tão necessária isenção técnico-científica para tomar decisões no que concerne ao recurso excessivo aos serviços de urgências por parte das grávidas, nem tão-pouco para tomar decisões atinentes ao universo da vigilância da gravidez e da assistência ao parto, porquanto se baseia unica e exclusivamente em medidas tecnocráticas e típicas do modelo biomédico, desconsiderando, desde logo, a especialidade de enfermagem em saúde materna e obstétrica, as recomendações da Organização Mundial da Saúde, entre outras recomendações e orientações consonantes com o tão desejado e necessário modelo biopsicossocial, que o OVO PT preconiza como essencial para solucionar o problema das urgências e tantos outros que surgem no panorama obstétrico português.
Nesta conformidade, entende o OVO PT que:
- É imprescindível o envolvimento de outros profissionais de saúde, como os Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica, fisioterapeutas e psicólogos nesta Comissão;
- É necessário o envolvimento de associações, movimentos cívicos e organizações não governamentais ou outras, nesta Comissão;
- A Comissão deve ter como objectivo o reforço dos direitos na gravidez, no parto e no pós-parto;
- Deve a Comissão pugnar pela boa aceitação e implementação de Centros de Parto e de Unidades de Cuidados na Maternidade, conforme proposto pela Ordem dos Enfermeiros, permitindo que os Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica encabecem a vigilância e assistência ao parto de grávidas de baixo risco e que, consequentemente, os médicos obstetras direccionem as suas competências para acompanhar as gravidezes e partos de alto risco.
Os Centros de Parto, em consonância com o modelo biopsicossocial permitirão resolver muitos dos problemas das urgências de obstetrícia e aliviar os hospitais, uma vez que a gravidez e o parto são eventos naturais e fisiológicos que necessitam de intervenção em apenas 10% das situações, percentagem essa que deve ficar alocada aos médicos obstetras, por ser da competência desta especialidade e não de outra.
Sendo os médicos obstetras os únicos que encontram representação na Comissão, tal significa tomar-se a parte por um todo, ou seja, tomarem-se decisões com base na aversão ao risco e aplicarem-se medidas que serão desnecessárias e excessivas a 90% das grávidas.
Por fim, entende o OVO PT que a Comissão deverá actuar em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, com a Lei de Bases da Saúde, com a Lei nº 15/2014, de 21 de Março e com o Regulamento das Competências Específicas dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (Regulamento nº 391/2019.
Assim, reitera o OVO PT que considera esta Comissão inapta a analisar e dar resposta às questões relativas à gravidez e ao parto, desconsideradora dos direitos das mulheres e impermeável às evidências científicas no que concerne à implementação de um modelo biopsicossocial capaz de responder aos desafios correntes.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2022