Comunicado OVO PT | Vigília 4 de Setembro

06 de Setembro 2022

No passado dia 4 de setembro de 2022, o Observatório de Violência Obstétrica realizou uma vigília em frente à Assembleia da República, com vista à sensibilização da sociedade civil e dos representantes políticos para a necessidade de combater o aumento da mortalidade neonatal e materna em Portugal. Verificaram-se, ainda, pequenas concentrações no Algarve, Porto e Évora.

De acordo com dados publicados pela DGS, registaram-se 119 mortes de bebés com idade inferior a 1 ano, no primeiro semestre de 2022 (até 30 de junho). 

Não é possível determinar os dados concretos relativos à mortalidade materna, atendendo a que as entidades nacionais (INE, DGS e SICO-eVM) divulgam dados discrepantes entre si. Não foi, ainda, possível inferir, com relativo grau de certeza e transparência, quais as causas concretas para o aumento da mortalidade.

Aumento da idade das grávidas e parturientes? Se assim for, o que justifica que noutros países da Europa o aumento da idade também se verifique e não se registe um aumento da mortalidade materna? O Observatório de Violência Obstétrica sublinha as declarações do Dr. Diogo Ayres de Campos, que reconheceu, recentemente, que a mortalidade materna entre mulheres de idade acima dos 35 anos está, na verdade, a diminuir, e que não é preocupante “ser-se mais velha”. 

Partos no domicílio? Como é possível que uma realidade que representa apenas cerca de 1% de todos os partos ocorridos em Portugal sirva para inflamar a opinião pública, quando os dados mostram que a mortalidade está a verificar-se, acima de tudo, em contexto hospitalar? Nos anos 2017 e 2018 os partos em casa foram o bode expiatório do aumento da mortalidade, contudo verificou-se que as mortes catalogadas como partos em casa referiam-se a qualquer morte ocorrida fora do contexto hospitalar: transferências, na distância entre o domicílio e o hospital, na via pública e apenas um em situação desconhecida. Esta situação desconhecida até pode estar relacionada com um parto no domicílio não planeado, que não pode ser comparado com um parto em casa planeado e apoiado por equipas de EESMO. 

De acordo com o relatório publicado pela DGS, de 3/9/2022, em 2017-2018, e considerando os dados analisados, identificaram-se os seguintes padrões principais nas mortes maternas:

  1. Cerca de 54% das mortes maternas ocorreram em mulheres com menos de 35 anos. A morte em mulheres mais jovens esteve predominantemente associada a elevada carga de doença/doenças graves e ocorreu, principalmente, durante a gravidez.
  2. As mortes em mulheres com ≥ 35 anos ocorreram maioritariamente após o parto.
  3. As gravidezes gemelares estiveram mais representadas do que a sua ocorrência no universo total de partos neste período (1,7% e 1,6%, em 2017 e 2018). 
  4. As mulheres oriundas de Países PALOP tiveram elevada representação (23%) das mortes maternas ocorridas em Portugal. É fundamental compreender qual o contexto sócio-económico destas mulheres e que apoio encontraram em Portugal. 

 

Nos dois anos em análise, verificou-se, ainda, deficiência de literacia em assuntos obstétricos na população de grávidas. O OVO PT acredita que a melhoria da comunicação entre profissionais e utentes exige uma ação concertada, que exija as seguintes medidas:

  • Consciencialização dos futuros profissionais, no âmbito dos cursos superiores de Medicina e Enfermagem; 
  • Reestruturação (e sindicância da qualidade) dos cursos de preparação para o parto (chegam-nos relatos de cursos ministrados nos Centros de Saúde, cujo propósito central é “preparar” as mulheres para aceitarem procedimentos por rotina (manobra de Kristeller, episiotomia ou administração, à chegada e sem motivo clínico, de ocitocina sintética), negação de acompanhamento e não aceitação de plano de parto, em notória violação do plasmado na Lei n.º 110/2019.
  • Assistência de proximidade, com maior autonomia dos EESMO na vigilância da gravidez nos Centros de Saúde.

É notória a ausência de diálogo entre os profissionais de saúde assistentes e as utentes, que, em muitos casos, não compreendem o risco inerente a determinados quadros patológicos, especialmente em casos clínicos de grande complexidade. Quando, a este cenário de falta de conhecimento dos sinais que indicam a necessidade de assistência imediata, juntamos uma deficitária vigilância da gravidez por falta de recursos humanos disponíveis nos centros de saúde e hospitais, e uma rede de hospitais pouco responsiva em situação de urgência, as consequências são devastadoras para as famílias.

Num parecer emitido a 20 de outubro de 2021, a Ordem dos Médicos afirmou que:

 “A violência obstétrica é apontada, por todas as instituições idóneas, como um grave obstáculo à prestação de cuidados materno-infantis adequados e não como algo que deles resulta. Mesmo quando algum indicador de saúde não é tão excelente quanto desejamos, não há qualquer similaridade entre o que se passa em Portugal e em países onde não se respeitam os direitos humanos, onde mulheres, grávidas e crianças morrem ou ficam com sequelas graves, por falta de assistência médica (…)”. 

Ora, não há, em Portugal, no presente ano e conforme tem sido noticiado, mulheres a morrer por falta de assistência atempada? São os dados disponibilizados suficientemente esclarecedores para excluir que parte da mortalidade está, de facto, relacionada, com uma deficitária assistência à gravidez, seja ela de baixo ou alto risco?

O OVO PT rejeita que a solução passe por fechar mais maternidades em Portugal. Bem como rejeita que a solução passe, apenas, por aumentos salariais da classe médica. Urge reestruturar os serviços de Ginecologia e Obstetrícia. Preocupa-nos, tremendamente, a recusa em envolver a Ordem dos Enfermeiros, quando são os EESMOs os profissionais mais competentes, do ponto de vista técnico e legal, para a vigilância da gravidez e assistência ao parto de baixo risco.

Em 2019, foi enviado para o Ministério da Saúde, DGS, partidos políticos, hospitais, OM e OE um documento relativo à implementação de Centros de Nascimento denominado Normas para Unidades de Cuidados na Maternidade, baseado num modelo que já está implementado em diversos países da Europa, com evidentes melhorias ao nível da Saúde Materno-Infantil tal como a OMS determina.

O que motiva a resistência à implementação deste modelo? Como é possível que não haja interesse, por parte da Comissão recém-constituída, da DGS e do Ministério da Saúde, em auscultar os seus congéneres europeus, com vista à franca melhoria dos cuidados obstétricos em Portugal? Porque continuamos, num tema tão sensível, orgulhosamente sós? A que custo?

O OVO salienta, ainda, que para além das entidades competentes recusarem um modelo de assistência que funciona, ainda fazem propostas que se afastam cada vez mais dessa realidade. Assim, o OVO questiona também os motivos para tal, quando os dados sobre satisfação das famílias dos países que adotaram este modelo, bem como as taxas de mortalidade, são bastante animadores. 

O OVO é uma associação multiprofissional que surge da necessidade de observar e denunciar publicamente a incidência das práticas que constituem violência obstétrica. Actua a nível nacional e tem como princípios a dignidade humana, a igualdade de género, a defesa dos direitos na gravidez, no parto e no pós-parto, a não-violência e a cooperação.  Fundamenta a sua ação nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, na Constituição da República Portuguesa e demais legislação nacional de protecção dos direitos fundamentais, bem como nas Recomendações da Organização Mundial de Saúde e nas evidências científicas. 

Mantemos, mais uma vez, total disponibilidade para o diálogo com qualquer organismo público, para que consigamos ter total transparência na realidade da saúde materna em Portugal. 

Lisboa, 06 de Setembro de 2022