Comunicado OVO PT | Fechos das Urgências Ginecologia/Obstetrícia

04 de Agosto 2022

Vem o Observatório de Violência Obstétrica (OVO PT) reagir às notícias relativo ao encerramento das maternidades, à crise generalizada dos fechos das Urgências de Ginecologia/Obstétrica do país e a escusa de responsabilidade de médicos internos de ginecologia e obstetrícia de todos o país quando as escalas de urgência não estiverem de acordo com o regulamento, apontando que as medidas aprovadas até agora pelo Governo são insuficientes

Ao mesmo tempo, encerrar maternidades, devido a uma carência que se acumulou ao longo destes anos, em que o Ministério da Saúde e a própria Ordem dos Médicos não conseguem resolver, incluindo a actual comissão constituída mais uma vez somente no foco do Médico Especialista, em que de acordo com os números apurados existem cerca de 830 obstetras no SNS, faz-nos questionar realmente a reorganização dos serviços e a criação realmente de dos centros normais de parto que a Ordem dos Enfermeiros apresentou recentemente.

A comissão está a trabalhar com o que tem actualmente, apagando fogos de Agosto, mas já estão a fazer um prognóstico temporal para Dezembro, porque já se sabe que os serviços hospitalares voltarão a ter dificuldades com as escalas nessa altura do ano.

O Serviço de Urgência para funcionar em pleno, não basta só ter especialistas, mas sim, trabalho de equipa. O OVO PT volta a frisar que os Hospitais gerem a escala conforme as necessidades e, nestes momentos críticos, a mesma não fica completa, sendo o Hospital obrigado a fechar  por não ter condições de atendimento aos utentes. E por isso, voltamos a insistir na multidisciplinaridade dentro do SNS, permitido, por exemplo, aos EESMO actuar na plenitude das suas competências, assumindo funções de vigilância da gravidez e assistência ao parto de baixo risco, melhorando deste modo substancialmente os cuidados prestados  e, simultaneamente, retirar a actual pressão sobre a classe médica.

Em relação ao diploma aprovado, relativo ao pagamento dos médicos especialistas, é importante mas não o suficiente. Não são os únicos profissionais que acompanham as Grávidas. Para além de reter médicos especialistas é necessário reter enfermeiros especialistas que contribuem em muito para o modelo centrado na mulher, tal como a OMS defende.

Naturalmente, toda esta falta de compromisso com um modelo centrado na mulher, assim como a falta de investimento no SNS, impacta de forma muito negativa a experiência das mulheres e famílias, pelo modo como se nasce em Portugal. E recentemente tivemos a morte de mais um bebé. Quantos mais iremos perder?

Quantos não perdemos já no passado, que ficaram sem respostas concretas quanto à verdadeira origem que levou à mortalidade. A mortalidade neonatal tem vindo a crescer proporcionalmente com as graves falhas no SNS, ao mesmo tempo que vemos um brutal crescimento da oferta privada.

  • Como ficarão entregues as mulheres do interior do país? 
  • Como se avança com fecho de maternidades, sem qualquer preocupação em garantir a saúde de mãe e bebé, como por exemplo; a articulação com centros de saúde e cuidados em ambulatório? 
  • Que impactos a nível da  saúde e bem-estar da díade mãe/bebé estão a ser colocados em causa?

O medo e o stress que as grávidas neste momento sentem, por não saberem como estará a urgência do hospital de referência ou o hospital que decidiram parir, é real e concentrado nas classes mais desfavorecidas. 

Novamente, o melhor interesse das mulheres, está a ser pisado, violando a legislação portuguesa, onde temos médicos e enfermeiros a fazer escusas de responsabilidade. 

Importa questionar também se o negócio da saúde – visto que no sector privado a questão das escalas se resolve com agendamento de cesarianas e induções sem recomendação clínica – está a pôr em xeque a vida das mulheres mais vulneráveis. O negócio da saúde cresce, retira profissionais ao SNS, e segundo a revista Lancet o aumento do investimento na saúde privada está a ser proporcional ao aumento de mortalidade e comorbidades. 

Estamos perante uma “birra”, onde todos os sectores que compõem o SNS ficam invisíveis perante as reivindicações irresponsáveis da comunidade médica? 

A situação actual demonstra que urge englobar mais profissionais e mais opções na assistência ao parto, em Portugal.  O aumento dos salários,  apesar de naturalmente ser uma questão importante,  é apenas uma franja da enorme reestruturação que o SNS carece, especialmente no apoio ao nascimento. 

Constata-se facilmente que a saúde pública não está a ser prioridade, e que os decisores políticos estão novamente a ser pressionados com jogos de poder da classe médica.  

Percebe-se o recurso a esse poder centrado na comunidade médica e é urgente a partilha de responsabilidades. Fazer exigências salariais deixando mulheres desatendidas, não respeita o código deontológico nem a lei, nem as escusas podem ilibar profissionais suas más práticas.

O OVO PT com toda esta problemática instaurada em Portugal, pretende também esclarecer que não podemos nem devemos confundir “más práticas” com “falhas de serviço”, que são as situações em que não se consegue apurar responsabilidades individualmente, logo, a responsabilidade é imputada à má gestão/má organização do Estado.

Os Ginecologistas/Obstetras pedem escusa de responsabilidade.

A questão é: Que responsabilidade? 

Pois só podem escusar-se quando se tratam de falhas de serviço, mas não deixam de ser responsáveis por aumentar riscos às grávidas por interferirem demasiado no parto e por iniciarem toda uma cascata de intervenções. Não estão livres de responsabilidade por fazerem episiotomias, por fazerem manobras de Kristeller, nem instrumentalizar partos só porque sim, só porque querem despachar “a coisa”, nem por obrigarem as grávidas a estarem deitadas, nem por expulsarem os acompanhantes do quarto e inclusivé do bloco de partos (situações das várias denúncias recebidas no Observatório). Novamente aqui vê-se a obstinação de delegar situações de baixo risco a EESMO, e também a fisioterapeutas pélvicos que podem facilmente evitar intervenções corrigindo pequenas questões mecânicas.

Ainda sobre a escusa: 

  • a escusa da responsabilidade devido a falhas de serviço: sim. 
  • escusa da responsabilidade pela violência obstétrica que praticam, é inaceitável e a clara demissão das responsabilidades do profissional de saúde.

O OVO PT desafia os Conselhos de Administração de todos os hospitais a repensarem o modelo de gestão de profissionais de saúde na área de obstetrícia/ginecologia.

O OVO PT questiona o Ministério da Saúde o motivo pelo qual mantém a teimosia de não  consultar os restantes profissionais de saúde que fazem o acompanhamento a grávidas (por exemplo representantes da Ordem dos Enfermeiros, profissionais competentes para a assistência ao parto de baixo risco que, muito recentemente, emitiram um comunicado com soluções concretas com o potencial de ajudar a ultrapassar o quadro existente) e também o motivo pelo qual, não engloba nas comissões criadas associações e movimentos que representam as mulheres, que são o elo mais fraco desta cadeia.

Vemos repetidamente que os mesmos órgãos que têm responsabilidades no panorama actual são consultados, ao invés de abrir uma auscultação séria e isenta, reunindo vários elementos da comunidade.

Mantemos, mais uma vez, total disponibilidade para o diálogo com qualquer organismo público, para que consigamos ter total transparência na realidade da saúde materna em Portugal. 

Lisboa, 04 de Agosto de 2022