Comunicado OVO PT | A violência obstétrica começa na porta fechada

15 de Setembro 2025

 

COMUNICADO 

Fecho das urgências de obstetrícia em Almada: a crise estrutural na região de Lisboa e Vale do Tejo

 

A violência obstétrica começa na porta fechada

O encerramento da urgência de obstetrícia do Hospital Garcia de Orta, em Almada, expõe de forma brutal a fragilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na resposta às necessidades de mulheres, grávidas, bebés e famílias. O OVO Portugal denuncia este encerramento como uma forma de violência institucional e obstétrica, que limita o acesso a cuidados essenciais e coloca vidas em risco.

O problema não é novo nem isolado: há anos que a região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) vive sob pressão constante, com urgências encerradas, serviços reduzidos e profissionais exaustos. Esta situação não resulta de imprevistos, mas de decisões políticas sucessivas que fragilizaram a saúde materna e infantil no país.

 

O recurso a “tarefeiros”: uma falsa solução

Um dos sintomas mais graves desta crise é o recurso sistemático a médicos tarefeiros. Estes profissionais, contratados a valores muito superiores aos praticados no SNS, são chamados para “tapar buracos” e garantir o mínimo funcionamento dos serviços.

O problema é duplo:

  • Desestrutura o sistema: cria desigualdades dentro das equipas, desmotiva quem permanece no SNS e perpetua uma lógica de precariedade.
     
  • Não resolve o problema estrutural: em vez de investimento na contratação estável e no reforço de carreiras médicas e de enfermagem, assistimos a uma dependência crescente de soluções temporárias e mais caras.

Na prática, o recurso a tarefeiros significa que o Estado paga mais para garantir menos, enquanto mães e bebés continuam sem acesso garantido a cuidados de qualidade, seguros e humanizados.

 

A região LVT como epicentro da crise

A região de Lisboa e Vale do Tejo concentra a maior população do país, mas também a maior precariedade em termos de serviços obstétricos. Os encerramentos alternados de urgências tornam-se rotina, obrigando grávidas em trabalho de parto a percorrer dezenas de quilómetros sem saberem se terão vaga no hospital seguinte, e de termos bebés a nascerem nas ambulâncias.

Este cenário representa um risco real para a saúde materna e neonatal, agravando desigualdades sociais e territoriais. Mulheres sem recursos para transportes privados, por exemplo, ficam ainda mais expostas à insegurança e à violência institucional.

 

O que o OVO Portugal exige

O OVO Portugal considera urgente uma resposta política firme e estrutural:

  1. Explicações públicas da Ministra da Saúde no Parlamento, com apresentação de um plano concreto para a região LVT.
     
  2. Investimento imediato em profissionais de saúde estáveis, com revisão das carreiras, salários e condições de trabalho para reduzir a dependência de tarefeiros, e ao mesmo tempo evitar a fuga dos mesmos para o sector privado.
     
  3. Transparência na gestão das urgências obstétricas, com informação acessível às populações sobre alternativas em tempo real.
     
  4. Reconhecimento da violência obstétrica como forma de violência institucional e de género, quando o Estado falha em garantir cuidados dignos e seguros.
     

Porque não podemos normalizar o inaceitável

Fechar uma urgência não é apenas um acto administrativo. É um recado às mulheres: “os vossos direitos podem esperar”. Mas a gravidez e o parto não esperam. Cada porta fechada, cada quilómetro a mais, cada profissional em falta é um risco acrescido para a vida e para a dignidade das pessoas.

O OVO Portugal reafirma o seu compromisso em denunciar estas situações, dar voz às mulheres e exigir do Estado políticas de saúde que coloquem os direitos humanos no centro do cuidado.

Portugal destaca-se no panorama internacional pelas conquistas alcançadas em alguns indicadores de saúde ao longo dos últimos 40 anos, nomeadamente uma das mais baixas taxas de mortalidade perinatal do mundo. Tal realidade apenas foi possível graças à existência de um Serviço Nacional de Saúde forte, que privilegiou, desde sempre, a segurança dos cuidados prestados às grávidas e crianças face ao número de locais, e que hoje - 15 de  Setembro - faz 46 anos. Exigimos respeito pela visão e audácia de quem o criou, o construiu e de todos os profissionais de saúde que o mantêm, apesar de todas as adversidades.

 

O OVO PT encontra-se mais uma vez, disponível para ser escutado e envolvido em grupos de trabalho, com vista à defesa da Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher.

 

Lisboa, 15 de Setembro de 2025