O Observatório de Violência Obstétrica (OVO PT) expressa a sua profunda preocupação pelo facto de a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) continuar a implementar medidas sem consultar os profissionais que estão no terreno, pela falta de sensibilidade na consideração das reais necessidades da população afetada pelas medidas e pela recusa de comunicação com a Sociedade Civil, em particular, com os movimentos associativos que representam utentes e profissionais de saúde.
O artigo publicado no Expresso no dia 5 de janeiro de 2024, com o título “Teste. Atendimento à porta fechada avança em três hospitais de Lisboa. Grávidas e crianças são o balão de ensaio | Urgências sem livre acesso”, donde consta, logo no primeiro parágrafo que “A população da região de Lisboa vai ficar sem entrada garantida para cuidados obstétricos ou pediátricos nos hospitais Amadora-Sintra, São Francisco Xavier e Garcia de Orta, em Almada. Durante a noite, o atendimento passa a ser assegurado somente aos utentes que telefonaram para a linha SNS24 ou para o INEM e que foram referenciados para uma destas três urgências, de agora em diante com acesso condicionado.”, é revelador da alienação da realidade em que vive a Direção Executiva do SNS.
O OVO PT denuncia, publicamente, que a linha SNS24/CODU não tem respondido atempadamente às solicitações de esclarecimento sobre qual o hospital ao qual as utentes se devem dirigir em caso de urgência obstétrica ou trabalho de parto. Quando questionados, não raras vezes respondem às utentes que não sabem qual a urgência que se encontra aberta e que não as conseguem encaminhar. Os contactos para a linha, neste aspeto em particular de saber a que hospital se devem dirigir, não têm, por isso, tido qualquer efeito útil.
Sucede, ainda, que quem realiza atendimento na linha SNS24/CODU pode não ter suficiente capacidade de triar quem deve ou não procurar assistência hospitalar, podendo atuar em falta (não valorizando, devidamente, um quadro clínico que merece atenção especializada) ou em excesso (por exemplo, encaminhando, desnecessariamente, para as urgências, mulheres que estão em estádios pouco avançados de trabalho de parto e poderiam continuar a aguardar, em seu benefício, o desenrolar do trabalho).
Acresce que ao depender da pré-triagem da linha SNS24/CODU para poderem ser assistidas no hospital, passam a estar à mercê da escolha de terceiros, quando a lei garante liberdade de escolha do hospital em que querem ser assistidas no momento do parto.
O OVO PT acredita que a DE-SNS tem capacidade e meios para implementar um sistema de pré-triagem que passe pelos próprios serviços hospitalares. Quer se trate de uma mulher cuja vigilância da gravidez decorre no hospital, quer se trate de uma mulher acompanhada pelo Centro de Saúde por ter uma gravidez de baixo risco, a mulher ligaria para o seu hospital de referência onde a pré-triagem telefónica seria efetuada por um Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstétrica que, se necessário, consultaria um Ginecologista/Obstetra. Deste modo, a triagem é mais segura e em caso de se confirmar a necessidade de assistência hospitalar, já foi colhida informação relevante antes da sua chegada e a grávida já estaria sinalizada.
Esta medida já está implementada em alguns países europeus como o Reino Unido, com bons resultados na melhoria da assistência materno-infantil.
Questionamos, ainda, porque motivo ainda não está implementada a Norma 001/2023 da Direcção-Geral de Saúde: Organização dos cuidados de saúde na pré concepção, gravidez e puerpério, o que conduziria a uma diminuição dos episódios de urgência, uma vez que a competência de assistência a algumas situações clínicas passaria a estar ao encargo dos Centros de Saúde (pontos 20-22).
A DE-SNS deve investir mais na comunicação com a Sociedade Civil sobre como utilizar os diversos meios de assistência ao seu alcance, por via de uma linguagem acessível e simples e com recurso aos Centros de Saúde, anúncios televisivos, redes sociais e junto das escolas.
Acreditamos que a actual reorganização está a ter um impacto negativo considerável nas utentes grávidas, nos indicadores da assistência materno-infantil, na ansiedade das gestantes e no desmembramento das equipas de assistência médica. Os argumentos de que só foram transferidas para os hospitais privados 110 mulheres e nasceram mais bebés face ao período anterior não podem servir para avaliar o sucesso do modelo implementado. Não sabemos quantas grávidas tiveram de recorrer pelos seus próprios meios aos hospitais privados por dificuldades de acessibilidade às maternidades públicas, quais as dificuldades sentidas pelas equipas a trabalhar no terreno e qual o índice de satisfação dos utentes.
Como se não bastasse a precarização das condições de trabalho de todos os profissionais de saúde, assistimos agora à concentração de maternidades, o que leva a uma sobrecarga adicional dos profissionais de saúde porque, inevitavelmente, o número de mulheres assistidas aumenta sem que as equipas sejam reforçadas em igual proporção.
Isto resulta, também, em condições menos favoráveis de assistência para as utentes grávidas, que não conseguem ter uma assistência individualizada conforme necessitam. Além disso, a ansiedade das gestantes está exacerbada devido à incerteza e à falta de informação clara sobre onde e quando procurar assistência médica, o que deve ser encarado como perda da universalidade da saúde em Portugal, impactando negativamente na saúde pública.
A operação “Nascer em Segurança” surgiu como uma medida transitória, para fazer face às dificuldades de assegurar as escalas do Natal e Ano Novo de 2022. Contudo, esta operação manteve-se durante todo o ano de 2023, normalizando encerramentos de maternidades, mesmo fora de períodos de férias! Em 2024 culmina na concentração de maternidades e no impedimento do acesso livre às urgências em Lisboa.
Em relação à frase constante do artigo citado, que afirma que o modelo em Lisboa “é mais agressivo” e que “quem não estiver referenciado não é, mesmo, observado”, diz fonte da DE-SNS, o OVO PT responsabiliza a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde por qualquer situação futura que venha a acontecer e que coloque em risco a vida de uma mulher ou do seu filho.
Gostaríamos de saber quando é que o “modelo de urgências referenciadas” estará disponível para consulta pública, pois consultando o site do SNS não consta qualquer menção.
https://www.sns.min-saude.pt/category/documentos-em-consulta-publica/
Portugal destaca-se no panorama internacional pelas conquistas alcançadas em alguns indicadores de saúde ao longo dos últimos 40 anos, nomeadamente uma das mais baixas taxas de mortalidade perinatal do mundo. Tal realidade apenas foi possível graças à existência de um Serviço Nacional de Saúde que privilegiou, desde sempre, a segurança dos cuidados prestados às grávidas e crianças face ao número de locais onde, no passado, era aceitável a realização de partos.
O OVO PT encontra-se mais uma vez, disponível para ser escutado e envolvido em grupos de trabalho, com vista à defesa da Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2024