O Observatório de Violência Obstétrica (OVO PT) expressa a sua profunda preocupação pelo facto do Ministério de Saúde destruir as estratégias de “Nascer em Segurança” para “Bebés e Mães em Segurança” – começando a implementar medidas sem consultar os profissionais que estão no terreno, demonstrando falta de sensibilidade na consideração das reais necessidades da população afectada pelas medidas. Aponta também o OVO PT a linha já seguida pelos partidos de direita, especificamente PSD e ademais partidos na actual AD, de recusa total na comunicação com a Sociedade Civil, em particular, com os movimentos associativos que representam utentes e profissionais de saúde.
O Plano de Emergência e Transformação na Saúde, especificamente o segundo eixo “Bebés e Mães em Segurança” com a criação de um canal de atendimento para a grávida incluída na linha SNS 24 é positivo, tinha já sido mencionado na estratégia do anterior governo, contudo percebe o OVO PT que esta linha se desvia na prática, do real apoio, funcionando meramente para facultar indicações sobre quais as urgências que estão a funcionar.
O OVO PT ao longo destes meses recebeu denúncias de graves falhas, num contexto de enorme desestruturação, como, por exemplo, ambulâncias que tiveram de ir a dois hospitais porque a informação foi dada incorrectamente pelo SNS24/CODU.
A linha SNS24/CODU deve ter capacidade de fazer uma triagem prévia e com enfermeiros com Especialização em Saúde Materna e Obstétrica, garantido a real necessidade de encaminhamento hospitalar. Esta questão vai expor também a precarização das USF, na incapacidade dos Centros de Saúde em dar uma resposta eficiente e de qualidade em assuntos não urgentes.
- podendo actuar em falta (não valorizando, devidamente, um quadro clínico que merece atenção especializada) ou em excesso (por exemplo, encaminhando, desnecessariamente, para as urgências, mulheres que estão em estádios pouco avançados de trabalho de parto e poderiam continuar a aguardarem em casa, em seu benefício, o desenrolar do trabalho).
- acresce que ao depender da pré-triagem da linha SNS24/CODU para poderem ser assistidas no hospital, passam a estar à mercê da escolha de terceiros, quando a lei garante liberdade de escolha do hospital em que querem ser assistidas no momento do parto e ao mesmo tempo, a transferência de grávidas a mais de 200km. Esta cenário apresenta várias questões:
- A parturiente deixa de contar com a equipa que a acompanhou, perdendo o trabalho de proximidade criado com o hospital de referência;
- A família ou rede de suporte da parturiente fica para trás, deixando a mulher desamparada no processo;
- Trata-se de um falso consentimento, ou consentimento forçado, uma vez que os hospitais deixam de ter garantias básicas de segurança para atendimento das utentes, sendo a transferência uma necessidade e não uma escolha;
- A violência e pressão exercida nas equipas, conduz os profissionais ao burnout, sendo de uma violência extrema tanto para profissionais como para utentes.
Em total oposição e paralelo encontramos a questão dos tarefeiros – não necessariamente médicos especialistas – que o actual governo não só suporta, como incentiva, podendo a comunidade perceber não só a materialização do desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) como uma forte desvalorização dos profissionais de saúde no terreno. Relembra o OVO PT que os tarefeiros auferem um valor/hora de aproximadamente €100 (inflacionados sazonalmente em mas 40% como medida de apoio do governo à crise das urgências, que, como qualquer cidadão poderá compreender, não resolver qualquer problema, ao contrário; aprofunda-o) apontando claramente na direcção do outsourcing dos serviços de saúde, facto que muito preocupa o OVO PT.
O OVO PT questiona quais os valores gastos em tarefeiros nesta época de Verão, sublinhando que seria um investimento que iria criar raízes na solução, se investido diretamente nos profissionais do SNS, fixando profissionais no serviço.
O OVO PT continua a acreditar que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem a capacidade e meios para implementar um sistema de pré-triagem que passe pelos próprios serviços hospitalares. Quer se trate de uma mulher cuja vigilância da gravidez decorre no hospital, quer se trate de uma mulher acompanhada pelo Centro de Saúde por ter uma gravidez de baixo risco. Neste cenário, a utente ligaria para o seu hospital de referência onde a pré-triagem telefónica seria efetuada por um Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstétrica (EESMO) que, se necessário, teria o apoio da equipa médica de Ginecologia/Obstetrícia. Assim, a triagem seria mais eficiente no caso de se confirmar a necessidade de assistência hospitalar, já que teria sido recolhida informação relevante antes da sua chegada, com a agravante de que a grávida já estaria sinalizada no hospital.
Esta medida já está implementada em alguns países europeus como o Reino Unido, com bons resultados na melhoria da assistência materno-infantil.
A operação “Nascer em Segurança” surgiu como uma medida transitória, para fazer face às dificuldades de assegurar as escalas do Natal e Ano Novo de 2022. Contudo, esta operação manteve-se durante todo o ano de 2023, normalizando encerramentos de maternidades, mesmo fora de períodos críticos! Em 2024 culmina na concentração de maternidades e no impedimento do acesso livre às urgências em Lisboa e Vale do Tejo.
O actual governo muda de nome para “Bebés e Mães em Segurança”, as escalas estão a ser actualizadas no site num formato de pouca leitura, com disponibilidade semanal e sem informação de acordo com a realidade. Nota-se uma brutal pressão nas direcções de serviço, demitindo-se o governo das suas responsabilidades que passam forçosamente pelo investimento no SNS.
Tem o OVO PT conhecimento de que internamente os hospitais se estão a organizar com mapas internos até Outubro, que são partilhados em grupos whatsapp criados para o efeito. Um esforço unilateral das equipas que defendem o direito de todas as utentes terem o maior acesso possível aos serviços. Naturalmente que este esforço não irá evitar que o mês de Agosto seja o mais duro que o sistema irá enfrentar até hoje, uma vez que não existe vontade política em abrir o diálogo entre Ministério da Saúde, Sindicatos ( médicos, enfermeiros, técnicos, pessoal especializado), as Ordem dos Médicos e Ordem dos Enfermeiros e com a comunidade.
Relativamente ao reforço do acompanhamento da grávida por EESMO, é algo que o OVO PT tem discutido, o que seria uma importante mudança na reorganização dos serviços nos Cuidados Primários – em que a Grávida em situação de baixo risco seria acompanhada por EESMO – em paralelo com a implementação de Centros de Parto Normal. Esta estratégia foi também assumida pela própria Ordem dos Enfermeiros em Agosto de 2022, e até hoje, não existiu capacidade de diálogo entre as Ordens e o Ministério da Saúde.
Preocupa o OVO PT o facto de ainda não existir uma rede de referenciação disponível para consulta sendo que esse documento esteve em discussão pública, contudo nunca foi implementado. O estabelecimento de novas estruturas organizacionais para blocos de parto / obstetrícia em que o Ministério de Saúde pretende criar um novo modelo de organização e financiamento dos blocos de parto e serviços de obstetrícia, promovendo a sua diferenciação e dotando-os de maior autonomia e capacidade de incentivo e fixação dos profissionais. Mais; não tem existindo valorização dos profissionais de saúde do SNS (quer sejam enfermeiros, técnicos, médicos, auxiliares), ao invés disso, primazia-se o sistema privado, alimentando-o ano após ano.
O OVO PT questiona o governo, em particular a Ministra da Saúde: vamos terminar quando? Quando é que existe coragem para assumir quo plano estratégico do governo passa pela desestruturação do SNS, não sendo plano o seu fortalecimento?
Portugal irá lidar com mais partos desassistidos em casa? Mais bebés a nascerem em ambulância? Mais bebés a nascer na estrada? Mais mortes?
Quantas mortes maternas e fetais ou comorbilidades por falta de assistência?
A actual ministra da saúde repete frequentemente que é ministra da saúde e não do SNS, sendo per si uma expressão de total desprezo pela estrutura em Portugal que assegura a democratização do acesso à saúde, facto muito lamentado pelo OVO PT.
Infelizmente constata o OVO PT que o actual governo segue a linha de privatização do SNS, mantendo as opções com que pressionava o anterior governo, de entregar à saúde privada a porta de solução para o que o OVO PT entende ser uma estratégia política de implosão do SNS.
Portugal destaca-se no panorama internacional pelas conquistas alcançadas em alguns indicadores de saúde ao longo dos últimos 40 anos, nomeadamente uma das mais baixas taxas de mortalidade perinatal do mundo. Tal realidade apenas foi possível graças à existência de um Serviço Nacional de Saúde forte, que privilegiou, desde sempre, a segurança dos cuidados prestados às grávidas e crianças face ao número de locais.
O OVO PT encontra-se mais uma vez, disponível para ser escutado e envolvido em grupos de trabalho, com vista à defesa da Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher.
Lisboa, 05 de Agosto de 2024