COMUNICADO
Pedido de demissão da Ministra da Saúde
Vem o Observatório de Violência Obstétrica (OVO PT) enquanto organização de defesa dos direitos das mulheres, exigir a demissão da Ministra da Saúde Ana Paula Martins e manifestar profunda preocupação relativamente ao acesso aos direitos da Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher em Portugal.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma conquista de muitas lutas pós 25 de Abril. Nestas lutas, pautaram também as lutas feministas que batalharam pelo acesso à saúde da mulher, envolvendo inúmeras mudanças, nomeadamente; no cuidado na gravidez, parto e pós-parto, assim como planeamento familiar, e -ainda sendo um direito em construção- o acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e Interrupção Médica da Gravidez (IMG), que resultaram numa drástica diminuição da mortalidade materna e infantil.
A segurança e a saúde da mulher foram assim tornadas acessíveis e democratizadas por via do SNS, onde quaisquer mulheres, independentemente dos seus rendimentos, privilégios, ou ausência destes, teriam o direito ao mesmo tratamento digno e de qualidade.
Começamos por todos e quaisquer funcionários do SNS, que se deparam com as suas carreiras congeladas ou sem sequer encontrarem aumentos que sigam a inflacção, pontos tão necessários para impulsionar a missão que, desde 1979 tem continuamente construído o sonho que nasceu de mulheres e homens que defendem que a saúde deveria ser gratuita para todas as pessoas, conforme menciona a Constituição da República Portuguesa no artigo 64º (Saúde) na parte dos Direitos e Deveres Fundamentais:
- Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação; - b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;
c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;
d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;
e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;
f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.
O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.
Portugal tem um grave problema de recolha, organização e publicação de dados, contudo, são dados públicos que o rácio médico/utente é suficiente e, portanto, a abertura de mais vagas em medicina não será solução para a falta de médicos no SNS.
É público também que o investimento na saúde privada tem sido uma aposta da actual Ministra da Saúde (MS), assim como o apoio à rede social (tema que iremos abordar quando oportuno), congelando quaisquer avanços, como sempre manifestou o actual governo em críticas ao anterior, num desinteresse total e absoluto em investir no SNS, na carreira dos profissionais, nos horários, facilidade de contratação.
A estratégia da MS é outra: investir na privada, investir no sector social, com sinais claros e inequívocos de que o SNS é uma “pedra no sapato” deste governo.
O OVO PT tem a necessidade de esclarecer que a saúde privada pressupõe lucros. Sendo óbvia esta constatação de factos, declaramos que é interesse do SNS um investimento sério que terá como retorno a saúde de toda a população em Portugal, sendo para esse efeito incontornável o investimento nas carreiras de quem cuida da saúde pública do país.
De todo o investimento feito, o OVO PT constata zero impacto positivo na saúde pública no que concerne à saúde sexual e reprodutiva das mulheres:
INVESTIMENTOS
- Tarefeiros
- Hospital Social
- Privada
RETORNO
- Dados de transferencia para o privado ronda os 140 partos (não existem dados oficiais e atualizados semanalmente)
- Profissionais que abandonam o SNS pelo desrespeito sentido, uma vez que um tarefeiro em 24 horas irá receber o equivalente a um profissional num mês de trabalho.
- Empobrecimento dos serviços, fechos de urgências, rotatividade entre hospitais
Ficou assim ignorado todo um trabalho de negociação com os profissionais e a comunidade, que este governo despreza com inúmeras atitudes de atropelo de meses de negociações feitas no sentido de resolver efectivamente os problemas do SNS. Em vez disso, o governo decide apostar no sector privado e social, deixando cair deliberadamente o SNS, assim como os seus profissionais que trabalham mais horas do que o humanamente possível, para assegurar os serviços evitando ao máximo os fechos, com sacrifício das suas vidas pessoais, familiares, e até profissionais.
Questiona o OVO PT: Para quê a campanha da resolução dos problemas das urgências de obstetrícia num plano de emergência, quando existia a possibilidade de dar continuidade ao trabalho em curso por um organismo independente Direcção Executiva-SNS?
O OVO PT tem várias partilhas de vários profissionais de saúde de vários hospitais (públicos e privados), da Linha SNS – entre outros -que apontam o facto que desde Março até agora, é clara a perda de qualidade na assistência aos utentes. Médicos e enfermeiros demitiram-se das suas posições, por não existir capacidade de diálogo com as Administrações Hospitalares.
Este não é um problema só de um hospital ou de uma só gestão, e enquanto MS, é exigida a articulação e respeito pelo trabalho de quem está no terreno.
Tem o OVO PT, assim como toda a comunidade, por via dos meios de comunicação social que noticiaram as várias situações de conflito criadas pela MS, que demonstram falta de capacidade de diálogo e resolução de problemas, tanto com as Direcções Hospitalares, como com o INEM, sindicatos, Organizações Não Governamentais (onde se inclui o OVO PT), e com a comunidade. Uma arrogância que traz na factura uma perda significativa e eventualmente irrecuperável, da saúde de toda a população, que cai em simultâneo com a desmantelação política do SNS.
Depreende o OVO PT que o comportamento tido enquanto presidente de um hospital público, que envolveu várias quizilas e choques com diversos profissionais de saúde deste hospital, é exactamente o mesmo comportamento que se verifica enquanto Ministra da Saúde, não sendo presentemente na qualidade de presidente de um hospital, mas enquanto Ministra da Saúde do País do qual dependem os mais de 10 milhões de utentes.
Como Ministra de Saúde, não responde nem corresponde ao que é exigido. O apoio declarado do primeiro ministro e do presidente da república, não demonstra o bom cumprimento do atual mandato, pelo contrário, expõe toda a fragilidade que a pasta da Saúde vive neste momento.
O OVO PT exige que o Ministério da Saúde sirva o País, que tenha autonomia e dedicação a garantir que o SNS estará protegido, com a inabalável convicção da sua importância na democratização do acesso à saúde de todas as pessoas em Portugal, como maior medida de saúde pública no país. Exige-se no Ministério da Saúde alguém com convicções e força, que não se escude nas asas do primeiro ministro e do presidente da república como forma de coagir a sua aceitação enquanto figura de poder, como imposição paternalista.
É necessidade do país ter um Ministro, ou uma Ministra que consiga reunir consensos, que defenda a comunidade, que traga para a mesa a discussão a reformulação das urgências de obstetrícia e ginecologia do país com os demais intervenientes no processo; como médicos, enfermeiros, associações que representam utentes, sindicatos representantes dos profissionais de saúde e a comunidade civil, em vez de investidores de grandes grupos económicos ou entidades religiosas que num estado laico não devem ter espaço de decisão, muito menos de poder
O OVO PT tem empatia pela complexidade das responsabilidade do Ministério da Saúde, mas não aceita a alienação absoluta das necessidades da população, entendendo-se que os interesses de poderes económicos se sobrepõem aos interesses dos utentes e contribuintes. É absolutamente inaceitável que todos os progressos em negociações e planos de estruturação feitos por governos anteriores de diferentes cores politicas sejam simplesmente descartados de forma irresponsável e demagógica, culpando todos os graves problemas deste SNS continuamente em construção, ao governo anterior, nunca assumindo a responsabilidade de ignorar todo o caminho percorrido até agora.
O Observatório de Violência Obstétrica tem o dever de defender e promover a proteção à Saúde e exactamente por esta razão, depois de ampla reflexão, vimos por este meio exigir publicamente a demissão da Ministra da Saúde – Ana Paula Martins, por não estar a conseguir reunir consensos, e por manifestar absoluto desconhecimento sobre como resolver os graves problemas que a saúde enfrenta actualmente em Portugal.
FACTOS:
- 15 mil milhões é o orçamento de saúde para 2024, sendo que tivemos um aumento de 67% face a 2015.
- Temos cerca de 1950 obstetras em Portugal e nascimentos ronda os 85.000, sendo que no ano 2000 eram perto de 1330 com 120 mil nascimentos.
- Lisboa e Vale do Tejo tem 3 milhões de pessoas, e é onde se encontram mais urgências fechadas nos últimos 3 anos, sendo que face a 2023, os fechos aumentaram mais de 40%, e neste momento as escalas de fecho fazem com que as grávidas estejam mais ansiosas por incerteza de onde vão parir. O mesmo em situação de perda gestacional, IVG, IMG ou outras questões relevantes da saúde sexual e reprodutiva das mulheres.
Gostaría o OVO PT de deixar algumas ideias, já que até à data não foi aceite o nosso convite ao diálogo.
- Reforçamos que a linha SNS Grávida é positiva, mas que tem de ser composta por enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica (EESMO) e não enfermeiros generalistas;
- Criação de linha de atendimento directo com os hospitais onde as grávidas foram referenciadas, para que estas possam ligar em dúvidas ou entrada em trabalho de parto. Sendo que esta linha seria da responsabilidade dos EESMOS do serviço (que tinham a capacidade de fazer logo pré triagem, encaminhamento para a urgência ou simplesmente centro de saúde com consultas e exames marcados) com apoio de médicos Obstetras;
- Sensibilização para articulação do Centro de Saúde com os Hospitais de Referência, sendo que se uma mulher que não tem médico de família atribuído, ao ficar grávida, esta ser acompanhada por um EESMO;
- Reconhecimento das valências dos EESMO;
- Implementação da Norma 01/2023 da DGS referente à Organização dos cuidados de saúde na preconceção, gravidez e puerpério. Sendo que o OVO PT acrescenta que deverá existir articulação entre o Centro de Saúde e a Urgências do Hospital, com a tal linha criada em cada Hospital;
- Discusão da Rede de Referenciação, que até à data está na gaveta, e que a última proposta foi elaborada Grupo de Trabalho pelo coordenador Dr. Diogo Ayres Campos e entregue à DE-SNS em 2023;
- Implementação obrigatória em todos hospitais publicos e privado de acordo com a Portaria 310/2016 o programa “ObsCare”. Este programa produz, automaticamente, indicadores de produção e de qualidade, os últimos dos quais são disponibilizados mensalmente no seu todo numa página da internet. É prioritária a instalação deste programa em todas as maternidades do SNS e Privados, para melhorar a qualidade dos registos clínicos e das informações disponíveis aos profissionais de saúde e utentes, bem como a qualidade dos indicadores.
Todos estes pontos falam em exclusivo da gravidez e pós parto.
Relativamente às IVG, questionamos; quantas estão a ser efectuadas em casa, sem qualquer vigilância e/ou apoio, porque a marcação da consulta não corresponde às necessidades das mulheres? Vai o governo criminalizar as mulheres a quem falhou?
O porquê dos serviços continuarem a trabalhar com base em objectores de consciência, que fazem gastar ao estado portugues uma fatia anual para o sector privado (no caso; a Clinica dos Arcos onde 40% das IVG são efetuadas), violando assim o direito ao aborto, na sua despenalização.
Relativamente ao incentivo de 750 euros por cada parto que cada equipa faça acima da média realizada nos ultimos anos que está no Plano de Emergência para a Saúde, evitando que as grávidas tenham de ser reencaminhadas para os privados, o OVO PT manifesta receio, pois esta medida irá colocar pressão tanto nos profissionais, como acima de tudo na Mulher, provocando situações que podem levar a violência obstétrica pelo aceleramento de um parto, que nada beneficia nem o bebé nem a Mulher.
Por outro lado, o valor que está acordado relativamente às transferências para o privado é bem superior a este incentivo.
- Precisamos também de falar sobre as carreiras médicas, e ordenados, que não acompanham a inflacção e custos de vida ao longo desta última década.
- Precisamos de falar sobre o número de horas sem que exista respeito pelos profissionais enquanto seres humanos.
- É necessário falar na questão dos internos que estão a fazer a sua especialidade; estes deveriam ficar alocados automaticamente ao hospital que ocorreu o internado sem existirem concursos, e por x anos. E porquê? Afinal fizeram a especialização no público, com recursos no público.
- E os Enfermeiros Especialistas? Para quando o seu reconhecimento transpondo a directiva europeia?
E como confiar no privado, alimentando-o quando este não consegue responder às necessidades da Sociedade?
Sabemos que não se vai organizar um país inteiro num mandato, mas sabemos que sem diálogo, sem conversar com os diversos intervenientes, sem escutar as ONG que estão no terreno, apenas culpando outros, desresponsabilizando integralmente a falta de resposta do actual governo, que vê como única resposta o outsourcing do SNS, delegando as suas responsabilidades a entidades que visam (como é natural em empresas privadas) o lucro. É intenção do actual governo alimentar quantos grupos económicos da saúde, com o dinheiro que deveria estar a ser investido em carreiras no SNS, em capacitação e em resposta aos problemas há tanto apontados pelos vários sindicatos?
Portugal destaca-se no panorama internacional pelas conquistas alcançadas em alguns indicadores de saúde ao longo dos últimos 40 anos, nomeadamente uma das mais baixas taxas de mortalidade perinatal do mundo. Tal realidade apenas foi possível graças à existência de um Serviço Nacional de Saúde forte, que privilegiou, desde sempre, a segurança dos cuidados prestados às grávidas e crianças face ao número de locais.
O OVO PT encontra-se mais uma vez, disponível para ser escutado e envolvido em grupos de trabalho, com vista à defesa da Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher.
Lisboa, 22 de Agosto de 2024